"Poderíamos aqui meditar sobre como seria saudável também para a nossa sociedade atual se num dia as famílias permanecessem juntas, tornassem o lar como casa e como realização da comunhão no repouso de Deus" (Papa Bento XVI, Citação do livro Jesus de Nazaré, Trad. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ, São Paulo: Ed. Planeta, 2007, p. 106)

quarta-feira, 22 de abril de 2009

MATURIDADE HUMANA EM LUIS E ZELIA MARTIN

-
Lucienne Marie J. Delasquis Perez[i]

No ofício das leituras do dia 17 de outubro, Santo Ignácio de Antioquia numa carta aos romanos disse: "Deixai-me contemplar a luz pura; quando lá chegar, serei homem". Interessante. Santo Ignácio nos da a entender que para ser "homem" plenamente é necessário se aproximar de Deus.
Hoje, para chegarmos a um entendimento mútuo sobre o que pode vir a significar "formação humana" ou "maturidade humana", sugiro que nos firmemos em São João. Ele nos dá dois pontos de apoio seguros mostrando onde colocarmos nossos pés. O primeiro é a verdade: "santifique-os na verdade" diz Jesus antes da paixão. O segundo, dado na sua primeira epístola, é o principio: quem permanece no que tem ouvido desde o principio, então permanece em Deus.
A verdade é como a linha usada pelo pedreiro. Linha essa que o guia na construção. Se ele se afasta desta linha, no mínimo a parede será torta até com perigo de cair. A verdade atravessa a história da humanidade como um todo e atravessa a vida de cada um de nos em particular. Nós tecemos a nossa vida ao redor dela. Às vezes para cima, às vezes para baixo e às vezes acertamos a conformidade com ela. A distância entre o ponto onde estamos e a verdade se chama ansiedade, angústia, escrúpulos, hipocrisia de toda espécie e, se nos remetermos ao pensamento de Santo Ignácio, poderíamos dizer tudo aquilo que é desumano. Frei Pierino na sua mensagem no Monte Carmelo de outubro disse que a verdade não é apenas um conceito, mas sim, uma pessoa. A verdade até se faz homem para nos mostrar melhor o que vem a ser o humano.
No principio, nos diz a Bíblia, Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, e viu que isso era muito bom. E o homem deixa seu pai e a sua mãe para se unir à sua mulher, e já não são mais que uma só carne. Isto é a verdade, o início do homem e da mulher incluso dentro dessa mesma verdade, que é pessoa.
Em um determinado ponto da história da humanidade surgem Luis Martin e Zélia Guerin, que, esta mesma verdade chamará a formarem uma unidade só: Luis e Zélia Martin, como Deus o quis desde o principio।

LUIS E ZÉLIA MARTIN – Uma contínua formação humana

Os autores interessados na família Martin, como Henri e Alice Quantin, não hesitam em afirmar que a vida dos pais de Santa Teresinha do Menino Jesus é muito mal conhecida. Foram unidos por um amor profundo, apaixonados pela educação de suas cinco filhas e transtornados pela morte de outros quatro. A existência deles é um testemunho de uma esperança alegre e inquebrantável. Por isso, Teresinha dirá: "O bom Deus deu-me um pai e uma mãe mais dignos do Céu do que da terra". Aqui também se seguisse o pensamento de Santo Ignácio, ela poderia ter dito: verdadeiramente humanos.
Zélia e Luis Martin progrediram na santidade atravessando etapas que os casais modernos encontram: casaram-se tarde, formaram um lar onde a mulher trabalhava fora de casa e os dois preocuparam-se com o êxito de seus negócios, foram solícitos na educação de suas filhas e foram acometidos por doenças contemporâneas: o câncer para Zélia, e uma doença neuropsiquiátrica para Luis. O mesmo casal Henri e Alice Quantin nos diz que se Santa Teresinha do Menino Jesus rapidamente alcançou a Cristo pelo elevador do amor, os seus pais caminharam mais lentamente, com esforço, subindo a escada de serviço.
O Carmelita Calçado, Frei J. Linus Ryan, na sua Breve Bibliografia de Zélia Martin, pergunta: "Quem era esta mulher capaz de causar impressões tão profundas e duradouras numa criança de quatro anos e meio?" De fato, tanto Teresinha como Celina, se lembraram de sua mãe de maneira clara e viva durante toda a vida.
Era uma mulher de contradição. O que sobressai de imediato é sua fé firme e forte, uma energia incrível e grande capacidade para trabalhar. Por um lado, ela mantinha no fundo de sua alma certa atração pelo convento onde achava ser o seu lugar, por outro lado amava seu esposo e seus filhos e se dedicou totalmente ao seu papel de esposa e mãe. Era uma mulher entusiasmada pela vida. Mais uma vez encontramos nela aquele direcionamento firme para o Céu e, contudo, era uma hábil rendeira e grande mulher de negócio. As suas cartas jogam uma luz sobre a sua personalidade viva e cheia de humor. Tinha uma percepção aguçada e ao mesmo tempo crítica da sociedade onde vivia. Ela própria se julgava impaciente, contudo, era simpática. Seu caráter foi formado pelo sofrimento que soube aproveitar para amadurecer no amor. E podemos dizer, aí esta o segredo da formação humana, porque não existe amadurecimento humano sem ter amadurecimento no amor. E isso não faltava a Zélia.
Louis Martin, por sua vez, era um homem de alma contemplativa, calmo, piedoso, pacificador e particularmente muito caridoso. De fé robusta e como conseqüência de sua vida interior sempre unido a Deus, era um homem sem medo. Conta-se que ate malandros brigando com faca separou. Era disciplinado e tinha princípios sólidos dos quais não se desviava. Um exemplo disso é a sua recusa de fazer negócio no domingo, mesmo que isso significasse a perda de clientes. Era 6timo negociador e tinha talento para o desenho 0 que se tornou muito importante na sua contribuição para o desenvolvimento do negócio da Zélia. Como lazer gostava de pescar, de viajar e apreciava jogar bilhar. Era um autodidata e adquiriu uma boa cultura. Gostava de obras literárias. E, como seu pai era militar, ficou em Estrasburgo um tempo, se tornou bilíngüe, conhecendo o alemão além do francês.
Zélia e Luis sempre viveram bem juntos. Eles se completaram harmoniosamente, tomavam juntos as decisões importantes referentes ao casamento, à família, ao trabalho. Foram generosos com os pobres e os infelizes.
Souberam aproveitar suas qualidades naturais para se formarem humanamente. Isso querendo dizer, logicamente, que se ajudaram um ao outro a se aproximar cada vez mais da verdade. Logo depois do casamento e de comum acordo, viveram numa perfeita abstinência sexual durante uns nove a dez meses. Pensavam eles que o casamento era inferior à vida religiosa, e por isso trouxeram para dentro do casamento as vocações que pensavam ter à vida religiosa. Mas isso não está de acordo com a verdade. Deus não os tinha chamado para o casamento para viverem como monges. Foi o confessor da Zélia quem os recolocou na verdade. Assim, completou-se a consumação do casamento. Com certeza, este acontecimento foi fruto de diálogo feito dentro de uma visão de fé compartilhada. Grande contribuição para o desenvolvimento de um amor e de uma confiança um pelo outro cada vez mais profundo.
Pouco a pouco se formou entre eles aquela unidade que Deus havia previsto e desejado desde o principio. Encontramos isso numa troca de correspondência por ocasião de uma viagem da Zélia a Lisieux. Escrevia ela: "Quanto me tarda ver-me junto de ti, meu querido Luis! Amo-te de todo o meu coração e sinto que o meu afeto redobra com a privação da tua presença que tanto sinto; ser-me-ia impossível viver apartada de ti." Em outra ocasião dirá: "S6 contigo e que estou bem, meu querido Luis".
Zélia e Luis souberam formar uma família unida porque eram unidos. Come9avam o dia juntos, acordando as 5:30 da manha para participar da missa e comungar com a freqüência permitida na época. E depois ambos se dedicavam aos seus respectivos trabalhos. Para Zélia era o seu negócio de renda, para Luis a sua relojoaria. O Sr. Luis sempre ajudou a Zélia, mas em 1871 achou melhor vender a sua relojoaria e joalheria e se dedicar inteiramente ao negócio de renda. A parte da manufatura ficou nas mãos de Zélia, a parte comercial e financeira, nas mãos de Luis. Como ele também era artista, se encarregava da cria9ao de novos modelos.
Tanto Zélia como Luis eram empreendedores. Sabiam investir e seguiam os jornais econômicos. Isso não impedia em nada de cuidar da educa9ao das suas filhas, elas recebiam da parte de seus pais toda a aten9ao que precisavam. Encontra-se na ampla correspondência de Zélia com suas filhas mais velhas, estudando em colégio interno, os mínimos detalhes da vida familiar, do interesse que tem em cada uma de suas filhas. As menores sempre foram as suas delicias.
Zélia era uma mulher de energia e abnegação. Mesmo doente, não temia enfrentar nova gravidez. Cada filho que nasceu lhe dava nova alegria. Mas a inflama9ao do seio que ha muito sofria, tornou se tumor. A notícia deste fato foi um golpe terrível para o Sr. Martin, que, de repente, via que ele teria que seguir seu caminho sozinho. O abatimento o invadiu por um tempo, mas devagarzinho soube aceitar a vontade de Deus. Como qualquer outro ser humano, contudo, desejaram e procuraram a cura. O Sr. Martin sugeriu que Zélia fosse ate Lourdes procurar um milagre de Nossa Senhora. Mas, o milagre não veio. Pelo contrario, Zélia caiu, deu um mau jeito no pesc090 que ira aumentar o seu sofrimento. Mas Zélia não se deixou abater por causa disso. Ela pensou que Nossa Senhora estava lhe dizendo como a Bernadette: "Não prometo te fazer feliz neste mundo, mas no outro".
Durante a doença da Sra. Zélia, uma atitude profundamente humana sobressai no Sr. Martin. Ele soube respeitar a sua esposa, embora ele mesmo pensasse diferente. A Sra. Martin quis continuar indo à missa ate pouco antes de sua morte. Diz Maria que às vezes não tinha a mínima condi9ao, mas o Sr. Martin a apoiava nele e iam andando ate a Igreja com muita dificuldade. Enfrentava a critica dos vizinhos e conhecidos para que sua esposa pudesse satisfazer este desejo de participar do sacrifício de Cristo ate o fim.
O Sr. Luis continuara dando as suas filhas a dedicação paternal. Não recusara a Deus os sacrifícios que lhe pediu. Um desses foi a entrada de Maria no Carmelo. Ele dirá: "O Senhor não podia me pedir maior sacrifício", pois a Maria era a sua filha predileta. Disp6s-se a sofrer ainda algo pelo Senhor rezando da seguinte forma: "Senhor, e demais! Sim, sou muito feliz. Mas não e possível ir ao céu desta maneira. E precise que eu sofra um pouco por v6s". E ele se oferece. Pouco tempo depois ele experimenta a terrível humilhação da doen9a mental, conseqüência de uma arteriosclerose. E internado em Caen, no hospital Bom Salvador, onde se tratam os loucos. Grande provação para ele e para suas filhas. Teresinha, a respeito dessa enfermidade, escrevera: "Os três anos do martírio de meu pai pareceram-me os mais amáveis, os mais frutuosos de toda nossa vida. Eu não os trocaria por todos os êxtases e as revela90es dos santos". Visão de quem esta muito pr6ximo da verdade.
O sofrimento pode endurecer o coração e o tornar desumano. Para os Martins foi motivo de desenvolvimento humano por causa do abandono total a vontade de Deus, por causa do amor, da alegria que tinham amadurecido, por causa daquela esperan9a inquebrantável. Caminhando o mais perto possível da verdade, se tornaram pessoas com muita maturidade humana.

Bibliografia:
História de uma família - do PE. Stefan Joseph PT, um
A Short Lei of. Venerable Zelie Martin Mother of St. Therese - de J. Linus Ryan, O. C. A Short Life of Venerable Louis Martin Father of St. Therese - de J. Linus Ryan, O. C. Zelie et Louis Martin - Les saints de I'escalier - de Henri e Alice Quantin


[i] Lucienne Marie J. Delasquis Perez, mestre de formação da Comunidade N. Sra. do Carmo de Paulínia.

(Palestra proferida no XXIII Congresso Provincial OCDS - IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS - "O amor nos identifica com Aquele que amamos" - São Roque - 2 a 5.11.2006)

Nenhum comentário:

Postar um comentário