"Poderíamos aqui meditar sobre como seria saudável também para a nossa sociedade atual se num dia as famílias permanecessem juntas, tornassem o lar como casa e como realização da comunhão no repouso de Deus" (Papa Bento XVI, Citação do livro Jesus de Nazaré, Trad. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ, São Paulo: Ed. Planeta, 2007, p. 106)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Santa Teresa e a economia


Teófanes Egidio in Introducción a la lectura de Santa Teresa, pp.88-103

Realmente extranha o peso quantitativo que o elemento econômico tem nos escritos de Teresa...

É muito significativo que o primeiro escrito seu conservado seja uma peça que reproduz, nem mais nem menos, a forma habitual de extender ordens de pagamento em seu tempo, e que sua última carta datada encara a inconveniência de fundar em Pamplona !se não é com alguma renda", dado que as esmolas daquele 1582 não eram já tão esperançadoras como das épocas passadas. Por fim morreu com o amargor de disgostos que parentes lhe ocasionaram por questões econômicas de herança.

No entreato movido de sua atividade, Madre Teresa teve que ver-se com pleitos inumeráveis, com angústias pecuniárias ou com fundações asseguradas por rendas generosas. TProntamente encontrou dinheiro inesperado (que chegam das míticas Índias) como soube da angústia reiterada de achar-se sem nada. Passou do sistema fundacional em pobreza (ao arbítrio da Providência) à convicção de não dar vida a nenhum mosteiro novo sem ter bem assegurados os recursos materiais. Não se consou de aconselhar sobre mil procedimentos, sobre inversões rentáveis, de conjurar apuros, de suscitar a assistência interconventual, de olhar com esperança para Sevilha, à espera de remessas que obssessionavam a todo castelhano daqueles tempos sobre os que, segundo Pierre Vilar, pesa a maldição do ouro.

1. Os metais preciosos como modelo da dinâmica espiritual

A sensibilidade para o fato econômico se manifesta em que, para fazer mais compreensíveis a seus leitores os fenômenos espirituais, não duvida em acudir aos sistemas monetários, aos metais preciosos, como modelo socorrido e corrente do mundo material, porém que vale para explorar os cristérios de valoração das dimensões sobrenaturais. Não esqueçamos as relações que ascendência de Teresa teve com este mundo do dinheiro...

É muito frequente a assimilação do oro a Deus e a suas obras, em recursos tão cordiais então àqueles castelhanos, tão parcos a maior parte das vezes no metal precioso como desejosos de possuí-lo. Entre estas obras de Deus sobressai, naturalmente, a da alma, para cuja descrição não encontra melhor recurso que compará-la com um castelo medieval, todo feito em diamante, como sucede nas Moradas, realizado pelo lapidador divino e ouro dos mais subidos quilates (1M 1,1 e carta ao P. Gaspar - 7.12.1577). Ouro, jóias, todo um conjunto de pedras preciosas fervem em sua pluma quando debate por tornar inteligíveis coisas divinas operadas na alma à medida em que entra na dinâmica da união, o grande presente que não pode provir do esforço humano, e "nele mesmo se vê não ser de nosso metal, senão daquele puríssimo ouro da sabedoria divina" (4M 2,6).

Pelo contrário, quando se trata de obras humanas, em especial se são da pobre Madre Teresa, acode-se à metáfora da moeda mais ínfima. Não às brancas, das que em tantas oc asiões da vida real se viu ameaçada, senão à moeda de cobre, quiçá fora do curso legal, como se de moeda velha e sem valor se tratasse. "Aqui ajudaremos com nosso vintém (cornadilho)", disse a d. Francisco de Salcedo, aludindo às orações com que compensá-lo pela sua generosidade (Carta 6.07.1568).

2. Gastos e ingressos de todos os dias

As fontes clássicas e as pessoas diretas não dão possibilidade para muito na intenão de captar a angustiosa e diária preocupação pela sobrevivência; não obstante cremos merece a pena insistir em um aspecto tão vital como este da vida de todos os dias, ainda mais quando um dos cuidados fundamentais da Fundadora concentrou-se em que nunca faltasse a suas filhas e filhos de comer, suficiente e bem, ainda que fosse às custas de sacrificar a abstinência, por exemplo (Carta 28.06.1568).

Segundo os livros de entradas e saídas do convento de Medina, onde Santa Madre foi priora - forçadamente - entre agosto e setembro de 1571, o capítulo fundamental de gastos é o constituído pela dieta de pão, ovos e azeite, completada geralmente com fruta e peixe, arroz e verdura. Pedro, o criado, os trabalhadores eventuais, as enfermas têm asse3gurada sua ração de boa carne, qinda que seja sexta-feira; o menu se enriquece em ocasiões com as mais variadas iguarias. À margem da comida, qualquer gasto extraordinário pode desequilibrar o pressuposto: uma viagem das superioras, o da própria fundadora, o envio de mensageiros especiais, alguma reparação no telhado ou na nora, etc, ultrapassam em muito os custos normais de alimentação e sacristia.

Quanto aos ingressos é simples: o produto do trabalho das monjas e a esmola do exterior. "Ajudem-se do labor de suas mãos" (Constituições 2), dedicação que preconiza contra os hábitos de sua época e que matiza até ao extremo para que não se converta em esgotante trabalho, mas que seja sossegado...

Com tais condicionantes a economia da casa ficava neste particular ao risco do encargo. O fato de ter-se conservado os livros de contas de fundações em centros industriais como Segóvia e Toledo, poderia-se medir o peso das comunidades como auxiliares de alguma fase da elaboração têxtil. Na verdade a esmola tem nestes centros uma importância muito maior, suporte autêntico da economia diária carmelitana.

Mas havia problemas. Em Ávila, por exemplo, as esmolas nunca foram muitas. Quando os abulenses ficaram sabendo de que o maior esmoleiro do convento, Francisco de Salcedo, deu uma minguada ajuda ao convento de São José ("que é tão pouco para comer, que ainda para jantar não se tem"), a cidade "retirou logo as esmolas que lhes davam (carta de 15.12.1581). Como último recurso as monjas correram para eleger Santa Teresa como priora. A observação da santa está cheia de humor e realismo: "me fizeram priora por pura fome" (carta de 8.11.1581).

3. O problema dos dotes e das rendas

De todas as formas as esmolas normais e o trabalho serviram para sair do apuro diário, mas nunca foram suficientes para afrontar os gastos consequentes à ereção das casas, aos extraordinários surgidos por causa do acondicionamento posterior, nem para enxugar dívidas de certa envergadura. Em tais circunstâncias a verdade é que abundaram os benfeitores generosos. Porém o aporte principal e permanente foi o dos dotes das professas.

Neste particular, como em todo o relacionado com o dinheiro, a mentalidade teresiana sofreu uma profunda, para não dizer radical, transformação à medida que seu programa original de reforma se foi matizando no contato com as realidades.

No princípio, traumatizada pela experi~encia da Encarnação, empenhou-se em eliminar tudo aquilo que pudesse constituir um atentado contra a mais estrita igaualdade comnitária.

Não obstante, deve-se encarar o risco de que, ao sonho da igualdade, a que entra "não entre só para remediar-se" (C 21,1; 14,1). Para obviar este outro perigo, porque nem o trabalho e a esmola bastavam, para conjurar a fome que se passa em São José ou em Beas, e ainda que siga pregando que se "as monjas são muito para nós que não temos de olhar tanto no dote", estabelecerá o princípio; "deixar de dar algum dote não convém" (carta 21,01.1577).

Uma história paralela se registra no que se refere às rendas. Ter rendas era o sonho do castelhano do século XVI. Santa Teresa não participou desta tendência inveterada. De ascendência judeu-conversa, convenvencida das exigências da pobreza, deparou-se com os hábitos correntes e, contra o costume de outros mosteiros, traçou a idéia dos seus sobre as bases econômicas do trabalho e da esmola, com escândalo e medo de muitos, com a complacência dos "espirituais", caminho que não foi tão fácil.

Não tardou, com a decisão de fundar os mosteiros sem renda alguma, a ver surgir dificuldades. Elas surgem quando sua previsão de fundar em núcleos urbanos bem dotados chocou-se ante a contingência de fundar em lugares sem tantos recursos econômicos, com risco para a esmola e com escassa esperança de colocar o produto do trabalho das monjas. Tal sucedeu com a fundação de Malagón, a terceira da série. Santa Teresa tinha que decidir diante de dois problemas. Um secundário: a dificuldade observar a abstinência da Regra; outro de mais transcendência: a necessidade de contar com uma renda. Santa Teresa resistiu à importunação de dona Luisa de la Cerda; porém nesta ocasião a tenaz senhora encontrou grandes aliados que acabaram por convencer a Santa e Malagón torna-se o primeiro mosteiro erigido sobre a plataforma econômica de ingressos fixos e seguros, levando, depois Santa Teresa a definir seu pensamento sobre o assunto. Superada a fase de vacilações, sua norma se esclarece:

"Sempre pretendi que os mosteiros com renda que fundava a tivessem de tal maneira que as monjas não precisassem dos parentes nem de ninguém, e que houvesse o bastante para o sustento e o vestuário, bem como um bom tratamento para as enfermas, porque da falta do necessário decorrem um sem-número de inconvenientes. E para trazer muitos mosteiros de pobreza sem renda nunca me falta coragem e confiança e por certo Deus não permitirá que me faltem; mas, para fazê-lops com renda, embora pouca, falta-me tudo e prefiro não fundar." Portanto, fica claro como as fundações sobre renda foram sempre uma excessão, justificada só pela penúria econômica do lugar...

4. O crédito e a inversão

Ainda que durante o curto tempo de sua vida de fundadora os conventos teresianos tivessem escassas possibilidades para a acumulação de capital invertível, em 1582 já se configura uma realidade: que junto a mosteiros que vivem de rendas coexistem outros endividados até a extremos preocupantes, como o de Ávila e de Sevilha. Uns recorrem a formas correntes de crédito para saldar sua economia deficitária, para afrontar gastos crescidos de edificação ou translado; outros aproveitam sistemas do momento para colocar suas sobras em inversões rentáveis. De tudo isso teve que estar a par a Santa Madre, preocupada ou tranquila, porém sempre imersa na maré de papelório, de operações financeiras de menor ou maior alcance, de contratos complicados cujas cláusulas tinha que ler e reler em todos seus pormenores para que não se repetisse o que aconteceu em Sevilha, quando por boa fé, o fiador, d. Lourenço de Cepeda, teve que correr para evitar a prisão por um imposto sobre vendas mal feitas (Fundações 25,9).

Estas operações a obssessionaram a tal ponto que aparecem como paradigmas em fenômenos espirituais. Tal sucede no Caminhho de Perfeição, quando para ressaltar o valor autêntico, perdurável da humildade e da obediência, diante de discutíveis gostos, mercês e arroubamentos, não tem outra ocorrência que estabelecer a seguinte comparação: " ...a moeda corrente, a renda segura, os juros perpétuos, em vez de censos remíveis, que se tiram e põem, são a grande virtude da humildade e da mortificação, da grande obedi~encia em não se popor em nada ao que ordena o prelado" (Caminho 19, 7).

Sua norma constante era de não acumular-se de juros e obter e gastar dentro das estreitas possibilidades. Se o recurso se faz inevitável, é imprescindível redimí-los o quanto antes, pela simples razão de que "seria muito bom ir quitando a carga" (carta 7.09.1574).

A prática de Santa Teresa é bem clara: quando é possível a opção, prefere o dinheiro constante e sonante aos títulos sobre a dívida pública ou privada. Ao menos para com estes últimos sente uma confessada aversão, pis nem todos os afetados tinham as mesmas condições que ela para tornar efetivos os juros. É o que diz a seu irmão: "Pensa que em cobrar os censos não há trabalho? Andar sempre em execuções. Olhe que é uma tentação" (carta 2.01.1577).

É compreensível que o fenômeno sobrenatural de uma personalidade extraordinária como a de Teresa tenha deslumbrado e drenado as preocupações dos teresianismas para ângulos menos mundanos que os da economia. Porém, é como ela mesma lamenta, mas faz parte de sua vida e missão: "faz tempo que tinha abandonado dinheiros e negócios, e agora quer o Senhor que não trate de outra coisa".


do blog:http://provsjose.blogspot.com/2009_08_01_archive.html

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