"Poderíamos aqui meditar sobre como seria saudável também para a nossa sociedade atual se num dia as famílias permanecessem juntas, tornassem o lar como casa e como realização da comunhão no repouso de Deus" (Papa Bento XVI, Citação do livro Jesus de Nazaré, Trad. José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ, São Paulo: Ed. Planeta, 2007, p. 106)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A Família de Santa Teresa

          Toledo, centro comercial de incomparável beleza, tinha a fama e a virtude de embelezar a pele e de transluzir os rostos lavados com a água do rio. Era também celebrada a formosura de suas mulheres juntamente com a castidade e honestidade. Não menos era admirável a sua religiosidade.

Teresa descendia de um avô Judeu (Juan Sanches), reconciliado em Toledo por volta do ano 1485, rico mercador, administrador de bispados, provavelmente odiado pelos “cristãos velhos” assim eram chamados os cristãos que não tinham nenhuma ascendência judaica, e os “cristãos novos” eram os Judeus que recebiam o Baptismo cristão.

Assim conhecido e desprezado em Toledo, Juan Sanches com seus filhos, dentre eles o pai de Santa Teresa, Alonso de Cepeda, nascido em 1480, se traslada para Ávila. Seus filhos posteriormente, compraram o direito de fidalguia e casando com mulheres fidalgas conseguiram penetrar o sector desta baixa nobreza isenta de certos impostos, porém obrigados a viver sem trabalhar e de renda, para que pudessem dissimular seu verdadeiro estado. De fato, Don Alonso viverá sem ofício conhecido, dilapidará os dotes de suas duas mulheres — ficando viúvo, casou-se pela segunda vez, com D. Beatriz— e morrerá arruinado em 24 de dezembro de 1543.

Era o tributo trágico que deviam pagar aqueles castelhanos judeus, ansiosos por se integrarem numa sociedade racista com os de sua casta.

De seus 11 irmãos, santa Teresa foi “a mais querida.” Seus pais virtuosos e tementes a Deus, educaram na piedade e nos afazeres da casa.

Educada com esmero, ouvia nas longas noites de inverno, ao calor da lareira, a leitura da vida dos santos mártires, feita por seus pais. Animada por essas leituras, aos 7 anos Teresa sente a necessidade de fugir para a terra dos mouros com seu irmão Rodrigo, na esperança de poder alcançar o céu rapidamente, através do martírio. Fuga frustrada, pois um tio os encontra na saída da cidade e os conduz novamente ao lar paterno.

Mas o ideal da fuga – “QUERO VER A DEUS” — torna-se o seu HORIZONTE DE VIDA!

Na idade de 13 anos, Teresa perde sua jovem mãe, Dona Beatriz e a experiência prematura da orfandade leva-a aos pés da Virgem, a quem pede que seja sua Mãe.

Aos 16 anos o seu fervor religioso arrefeceu, entregando-se às vaidades próprias da idade juvenil. Seu pai a coloca como interna um ano e meio no Mosteiro das Irmãs Agostinianas. No relacionamento com uma santa religiosa, suas inquietações espirituais voltaram a manifestar-se e infundiu-lhe pensamentos e desejos de consagrar a Deus.

         Por motivos religiosos, após cumprir penitência, imposta pela Inquisição, muda-se com sua família para Ávila. Dela são conhecidos os nomes de Alvaro, Pedro, Elvira, Lorenzo e Francisco, Hernando morava em Salamanca e Alvaro que ficou em Toledo. Estes toledanos eram considerados como “filhos de bons fidalgos e parentes de bons cavaleiros”.

         O pai de Teresa chamado Alonso Sánchez, antes conhecido Pyna, teve dois filhos do casamento com Catalina del Peso y Henao, falecida em 1507, e que eram Maria de Cepeda (1506) e Juan Vásquez de Cepeda (1507). Após a morte da primeira mulher casou-se com Beatriz de Ahumada, mulher singular, quinze anos mais moça e prima terceira da falecida, com quem teve os filhos: Hernando de Ahumada (1510), Rodrigo de Cepeda (1513), Teresa de Ahumada, na madrugada primaveril de 28 de março de 1515, quinta-feira Santa, Lourenzo de Cepeda (1519), Antonio de Ahumada (1521), Jerônimo de Cepeda (1522), Agustin de Ahumada (1527) e Juana de Ahumada (1528). Dona Beatriz morreu em 1543.

Teresa desde o berço contemplou o belo à sua volta e também desde muito cedo começou a experimentar o fascínio da palavra poética. Palavra que conheceu, antes de mais nada, por meio de seus pais, cristãos fervorosos, que lhe fizeram familiar a dos salmos, dos cânticos, das parábolas evangélicas. As Escrituras Sagradas, as divinae litterae, foram, pois, a porta pela qual Teresa entrou no mundo da literatura.

Mas a Espanha renascentista do início do século XVI cultivava também com entusiasmo as humanae litterae. E o interesse de Teresa pela leitura foi despertado em sua própria família. O exemplo lhe vinha, em primeiro lugar, de seu pai, leitor apaixonado, que mantinha em casa uma rica biblioteca, onde ao lado das obras latinas não faltavam as obras em castelhano, em romance, para que todos pudessem lê-las. É Teresa mesma, em sua autobiografia, quem recorda a figura do pai entre os livros que guardava para os filhos: “Era mi padre aficionado a leer buenos libros y ansí los tenía de romance para que leyesen sus hijos” (Libro de la Vida, 1,1) [1] .

Não era só o pai de Santa Teresa que gostava de ler. Sua mãe tinha também o hábito da leitura. O que mais a entretinha eram obras que uniam história e fantasia, as novelas de cavalaria, tão populares nesse período e mais tarde imortalizadas por Cervantes. Foi assim que Teresa descobriu o mundo da literatura de ficção, e passou a se empolgar com as aventuras de guerreiros cristãos e mouros por suas terras e por terras estranhas. Mais uma vez, é ela própria quem nos conta isso, em sua autobiografia: “Era aficionada a libros de cavallerías [...] Yo comencé a quedarme en costumbre de leerlos [...] Era tan estremo lo que esto me embevía que, si no tenía libro nuevo, no me parece tenía contento" (Libro de la Vida, 2,1). Aliás, Teresa não se limitava a ler: teve a idéia de ser autora de uma novela de cavalaria. Chegou a começá-la, com a ajuda de seu irmão. Mas tudo não passou de uma brincadeira de criança, que não foi adiante.

De qualquer forma, com as leituras feitas na biblioteca de casa, e com outras feitas mais tarde, Teresa foi adquirindo noções da arte de escrever, da retórica de seu tempo. Por outro lado, a proibição oficial de certos tratados religiosos parece ter tido, paradoxalmente, um feliz efeito literário: o de obrigar mais tarde Teresa a não se prender a essas lições, a buscar em si mesma formas mais livres de expressão de sua vida espiritual. Enfim, graças ao exemplo do pai, Teresa foi aprendendo também que, na expressão literária, como em outros aspectos da vida, homens e mulheres devem as mesmas oportunidades fundamentais. Foi aprendendo ainda que se ela própria, suas irmãs e sua mãe podiam ser tão boas leitoras quanto seu pai e seus irmãos, nada impediria que fossem também tão boas escritoras quanto os homens. Mais ainda: ninguém melhor que a mulher para se fazer entender de um público de leitoras. Diz Teresa: “mijor se entienden el lenguaje unas mujeres de otras” (Moradas, prólogo, 5).


continua.....................

 

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