"O Bom Deus me deu um pai e uma mãe mais dignos do Céu que da terra"
(Santa Teresinha, Carta de 26.7.1897)
Segue um relato sobre o discernimento vocacional dos Beatos Luis Martin e Zélia Guerin, os pais de Santa Teresinha. São trechos retirados da obra "História de uma Família" do frei STÉPHANE JOSEPH PIAT, ofm. Esta narrativa mostra o período das dúvidas que sofreram na juventude até o casamento deles em julho de 1858:
"Foi no começo do outono de 1845 - sem que possamos determinar a data precisa do fato - que Luís Martin se decidiu a dar seguimento ao seu projeto de vida mais perfeita. Completara vinte e dois anos. Chegara para ele a hora de escolher entre o casamento e o serviço do altar. Optou pelo claustro.
Possuía uma sólida formação religiosa. O capitão Martin tinha-lhe ensinado a entregar-se a Deus sem reservas, numa doação total, à maneira de soldado, ou antes, de combatente. A comunhão, tão freqüente quanto o permitiam os costumes do tempo, apuraram-lhe a piedade. O contato com a fé bretã e alsaciana só podia fortificá-la. O temperamento de tendências contemplativas levava-o à conversação íntima, coração a coração, Com o Mestre interior que arrebata a alma, como presa Sua. E ele deixou-se arrebatar.
Para que lado havia de se dirigir? Contemporâneo do alvorecer do romantismo, iniciara-se Luís, precocemente, no culto da natureza. A majestade de um pôr do sol, os murmúrios da floresta, o marulhar das vagas, convidavam-no a um recolhimento que se assemelhava à contemplação. Este apaixonado de Chateaubriand e de Lamartine era, além disso, um cristão habilitado à leitura da Bíblia. Sensível às belezas da "terra carnal", depressa as ultrapassava, para cantar ao modo franciscano "o hino das criaturas". Gostaria de estabelecer o seu retiro num desses lugares grandiosos onde a própria paisagem eleva os olhares para o céu. Soubesse ele, além disto, de um Instituto onde a atividade impregnada de oração pudesse satisfazer o ardor cavalheiresco, que sentia palpitar dentro de si, o atrativo da aventura e o gosto do perigo ... e estava feita a escolha.
Seria guiado neste caminho pelo seu diretor espiritual ou por algum turista regressado de além-montes? Atuaria nele, irresistivelmente, a recordação da viagem realizada dois anos antes? O certo é que julgou encontrar no Eremitério do Grande S. Bernardo a realização plena do seu ideal. Lá no alto, na cadeia dos Alpes Peninos, a 2.472 metros de altitude, no cimo da garganta que separa o Valais Suíço do vale de Aosta, confiado aos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, fica a Hospedaria de Mont-Joux, ali erigido, há nove séculos, por S. Bernardo de Menthon. Depois de, lá no alto, no meio da sua paisagem fantástica, cantarem os louvores de Deus, os grupos de religiosos salvadores seguem, guiados pelo faro dos cães, através das geleiras, por frios rigorosos de vinte graus negativos a socorrer as vítimas de avalanches ou os viajantes perdidos na neve. Esta combinação de vida claustral, de oração poética e de caridade heróica não realizaria bem o sonho de Luís Martin?
O fato é que, em Setembro de 1845, segundo todas as probabilidades, toma o bordão de peregrino e, de Estrasburgo, onde sem dúvida pára, dirige-se, ora a pé ora em diligência, à fronteira da Suíça. O caminheiro de Deus extasiava-se diante de tantos esplendores semeados como que a mãos cheias pelo caminho. A sua alma agradecida encontrava em tudo um tal alimento que, por vezes, era obrigado a parar e a chorar de comoção e de alegria. Cansado do mundo, como Dante, mas sem ter conhecido a existência atormentada do grande Florentino, o que ele vinha mendigar à porta do Mosteiro era "a Paz".
O Prior recebeu benevolamente aquele jovem cujo olhar tinha um não sei quê de límpido e de exaltado, ao mesmo tempo. Interrogou-o a respeito dos motivos que inspiravam a sua resolução, a respeito da família, e a respeito dos seus antecedentes. Edificado quanto a este ponto, inquiriu acerca dos estudos e depressa verificou que o visitante não tinha percorrido o ciclo de formação clássica.
Luís Martin teria esperado talvez remediar ali mesmo essa deficiência? O certo é que ficou extremamente desconsolado quando o religioso lhe respondeu que o conhecimento do latim era indispensável para ser admitido entre os religiosos e o convidou a voltar para casa, para lá continuar o estudo das humanidades. Foi com a alma de exilado que Luís desceu o flanco da montanha. Até ao fim da vida, conservará no coração a saudade do Eremitério e a visão nostálgica da cela onde se vive "só com o Só ou com o Único necessário".
Naquela ocasião julgou tratar-se de um simples adiamento.
No regresso a Alençon confiou os seus desígnios ao Deão de São Leonardo, que aceitou o encargo de o orientar na sua realização. Os assentos das contas meticulosamente registradas, dia a dia, marcam desde 16 de Outubro de 1845 até aos princípios de Janeiro de 1847, compras freqüentes de manuais escolares e de autores latinos, gregos e franceses. Verifica-se igualmente a freqüência regular de um curso ao preço de um franco e meio cada lição, em casa de um certo senhor Wacquerie. Podem contar-se cento e vinte lições, com uma interrupção, registrada, como tudo o mais, com todo o cuidado, de 18 de Maio a 23 de Junho de 1846. As páginas relativas ao primeiro semestre de 1847 não fazem já qualquer alusão a honorários de professores ou a despesas de livros. Pelo contrário, a menção da troca de um dicionário latino-francês, leva-nos a crer que os estudos haviam sido postos de parte. Foi nesta época que a doença obrigou o jovem a dizer adeus aos seus queridos livros e a ocupar-se de trabalhos menos absorventes. No fato viu ele uma indicação providencial e resolveu voltar aos seus instrumentos de relojoaria.
De certo para completar a aprendizagem dirigiu-se então para a Capital. Tinha ali algumas relações de parentesco e de amizade: a avó, a Senhora Boureau-Nay, que contava setenta e quatro anos e vivia duma pensão paga pela família; o tio por afinidade, Luís Henrique de Lacauve, coronel reformado, que habitualmente residia em Versalhes e o filho deste, Henrique de Lacauve, aluno da Escola Militar, unido a Luís Martin por amizade realmente fraternal, e que partiria para a África a 14 de Dezembro de 1848.
A permanência em Paris, que parece ter durado dois ou três anos, foi a prova decisiva para a fé do nosso herói. O espírito voltairiano, que presidira ao advento da Monarquia de Julho, dominava ainda nos meios intelectuais, apesar da vigorosa contra-ofensiva de Lacordaire e de Montalembert. As classes dirigentes, obedecendo à palavra de ordem de Guizot: "Enriquecei", continuavam surdas aos rumores de revolta que subiam das massas populares.
Frederico Ozanam lançava em vão o seu grito de alarme para chamar a atenção da opinião pública sobre o perigo social e sobre a miséria espiritual e material do proletariado; será necessário a sangrenta agitação de Junho de 1848. Mas, entretanto, Paris não acredita no perigo e diverte-se.
"Foi no começo do outono de 1845 - sem que possamos determinar a data precisa do fato - que Luís Martin se decidiu a dar seguimento ao seu projeto de vida mais perfeita. Completara vinte e dois anos. Chegara para ele a hora de escolher entre o casamento e o serviço do altar. Optou pelo claustro.
Possuía uma sólida formação religiosa. O capitão Martin tinha-lhe ensinado a entregar-se a Deus sem reservas, numa doação total, à maneira de soldado, ou antes, de combatente. A comunhão, tão freqüente quanto o permitiam os costumes do tempo, apuraram-lhe a piedade. O contato com a fé bretã e alsaciana só podia fortificá-la. O temperamento de tendências contemplativas levava-o à conversação íntima, coração a coração, Com o Mestre interior que arrebata a alma, como presa Sua. E ele deixou-se arrebatar.
Para que lado havia de se dirigir? Contemporâneo do alvorecer do romantismo, iniciara-se Luís, precocemente, no culto da natureza. A majestade de um pôr do sol, os murmúrios da floresta, o marulhar das vagas, convidavam-no a um recolhimento que se assemelhava à contemplação. Este apaixonado de Chateaubriand e de Lamartine era, além disso, um cristão habilitado à leitura da Bíblia. Sensível às belezas da "terra carnal", depressa as ultrapassava, para cantar ao modo franciscano "o hino das criaturas". Gostaria de estabelecer o seu retiro num desses lugares grandiosos onde a própria paisagem eleva os olhares para o céu. Soubesse ele, além disto, de um Instituto onde a atividade impregnada de oração pudesse satisfazer o ardor cavalheiresco, que sentia palpitar dentro de si, o atrativo da aventura e o gosto do perigo ... e estava feita a escolha.
Seria guiado neste caminho pelo seu diretor espiritual ou por algum turista regressado de além-montes? Atuaria nele, irresistivelmente, a recordação da viagem realizada dois anos antes? O certo é que julgou encontrar no Eremitério do Grande S. Bernardo a realização plena do seu ideal. Lá no alto, na cadeia dos Alpes Peninos, a 2.472 metros de altitude, no cimo da garganta que separa o Valais Suíço do vale de Aosta, confiado aos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, fica a Hospedaria de Mont-Joux, ali erigido, há nove séculos, por S. Bernardo de Menthon. Depois de, lá no alto, no meio da sua paisagem fantástica, cantarem os louvores de Deus, os grupos de religiosos salvadores seguem, guiados pelo faro dos cães, através das geleiras, por frios rigorosos de vinte graus negativos a socorrer as vítimas de avalanches ou os viajantes perdidos na neve. Esta combinação de vida claustral, de oração poética e de caridade heróica não realizaria bem o sonho de Luís Martin?
O fato é que, em Setembro de 1845, segundo todas as probabilidades, toma o bordão de peregrino e, de Estrasburgo, onde sem dúvida pára, dirige-se, ora a pé ora em diligência, à fronteira da Suíça. O caminheiro de Deus extasiava-se diante de tantos esplendores semeados como que a mãos cheias pelo caminho. A sua alma agradecida encontrava em tudo um tal alimento que, por vezes, era obrigado a parar e a chorar de comoção e de alegria. Cansado do mundo, como Dante, mas sem ter conhecido a existência atormentada do grande Florentino, o que ele vinha mendigar à porta do Mosteiro era "a Paz".
O Prior recebeu benevolamente aquele jovem cujo olhar tinha um não sei quê de límpido e de exaltado, ao mesmo tempo. Interrogou-o a respeito dos motivos que inspiravam a sua resolução, a respeito da família, e a respeito dos seus antecedentes. Edificado quanto a este ponto, inquiriu acerca dos estudos e depressa verificou que o visitante não tinha percorrido o ciclo de formação clássica.
Luís Martin teria esperado talvez remediar ali mesmo essa deficiência? O certo é que ficou extremamente desconsolado quando o religioso lhe respondeu que o conhecimento do latim era indispensável para ser admitido entre os religiosos e o convidou a voltar para casa, para lá continuar o estudo das humanidades. Foi com a alma de exilado que Luís desceu o flanco da montanha. Até ao fim da vida, conservará no coração a saudade do Eremitério e a visão nostálgica da cela onde se vive "só com o Só ou com o Único necessário".
Naquela ocasião julgou tratar-se de um simples adiamento.
No regresso a Alençon confiou os seus desígnios ao Deão de São Leonardo, que aceitou o encargo de o orientar na sua realização. Os assentos das contas meticulosamente registradas, dia a dia, marcam desde 16 de Outubro de 1845 até aos princípios de Janeiro de 1847, compras freqüentes de manuais escolares e de autores latinos, gregos e franceses. Verifica-se igualmente a freqüência regular de um curso ao preço de um franco e meio cada lição, em casa de um certo senhor Wacquerie. Podem contar-se cento e vinte lições, com uma interrupção, registrada, como tudo o mais, com todo o cuidado, de 18 de Maio a 23 de Junho de 1846. As páginas relativas ao primeiro semestre de 1847 não fazem já qualquer alusão a honorários de professores ou a despesas de livros. Pelo contrário, a menção da troca de um dicionário latino-francês, leva-nos a crer que os estudos haviam sido postos de parte. Foi nesta época que a doença obrigou o jovem a dizer adeus aos seus queridos livros e a ocupar-se de trabalhos menos absorventes. No fato viu ele uma indicação providencial e resolveu voltar aos seus instrumentos de relojoaria.
De certo para completar a aprendizagem dirigiu-se então para a Capital. Tinha ali algumas relações de parentesco e de amizade: a avó, a Senhora Boureau-Nay, que contava setenta e quatro anos e vivia duma pensão paga pela família; o tio por afinidade, Luís Henrique de Lacauve, coronel reformado, que habitualmente residia em Versalhes e o filho deste, Henrique de Lacauve, aluno da Escola Militar, unido a Luís Martin por amizade realmente fraternal, e que partiria para a África a 14 de Dezembro de 1848.
A permanência em Paris, que parece ter durado dois ou três anos, foi a prova decisiva para a fé do nosso herói. O espírito voltairiano, que presidira ao advento da Monarquia de Julho, dominava ainda nos meios intelectuais, apesar da vigorosa contra-ofensiva de Lacordaire e de Montalembert. As classes dirigentes, obedecendo à palavra de ordem de Guizot: "Enriquecei", continuavam surdas aos rumores de revolta que subiam das massas populares.
Frederico Ozanam lançava em vão o seu grito de alarme para chamar a atenção da opinião pública sobre o perigo social e sobre a miséria espiritual e material do proletariado; será necessário a sangrenta agitação de Junho de 1848. Mas, entretanto, Paris não acredita no perigo e diverte-se.
Luís Martin vai entrar em contado com o perigo. Uns desconhecidos, explorando a sua natural generosidade, convidam-no a fazer parte de um clube filantrópico aparentemente dedicado a obras de caridade. Averigua mais a fundo o valor da identidade deles e descobre que, na realidade, trata-se duma sociedade secreta. A sua lealdade revolta-se. Só gosta da luz. As obras das trevas é que buscam as trevas. Rejeita resolutamente esses convites e salva a sua liberdade.
A distinção natural e o encanto da sua pessoa expõem-no a solicitações de outro gênero, que só a sua fé robusta ajudará a repelir. Mais tarde falará disso em confidência a sua esposa, que daí tirará partido para acautelar o irmão mais novo, que se encontrava então na capital a tirar o curso de medicina.
Adivinha-se a alegria com que Luís Martin se arrancou a tal meio para regressar ao ar sadio da Normandia. Encontrava-se em plena posse da sua arte. Apreciava nela a preocupação do pormenor, o sentido da exatidão, a delicadeza realçada pela nota artística. Ele, que contemplava extasiado a harmonia do mundo sideral em que se diverte o poder do "Divino Relojoeiro", manejava com igual ternura as peças minúsculas de uma mecânica de precisão. A sua consciência profissional tirava dai uma alegria entusiasta que o assemelhava, pelo gosto do trabalho acabado, aos briosos artífices da Idade Média.
Uma santa senhora de Alençon, Felicidade Baudouin, que tinha por ele grande consideração, ajudou-o a estabelecer-se nesta cidade. A 9 de Novembro de 1850 fez a aquisição de uma casa situada na ma da Ponte Nova, número 15, e aí instalou a sua oficina de relojoaria a que mais tarde anexou uma joalheria. Ficava na freguesia de S. Pedro, nas proximidades da ponte que transpõe o Sarthe, em direcão a Montsort. O bairro, um pouco afastado, só se animava em dias de mercado, e mesmo assim sem febre nem precipitações, pois que a cidade raras vezes perde o seu ar de tranquila dignidade. O prédio era vasto e possuía um iardinzinho. O Capitão Martin e sua esposa ali viveram com o filho.
Inaugurou então a existência laboriosa, metódica e quase monástica que devia levar perto de oito anos. De estatura elevada, aprumo de oficial, fisionomia simpática, fronte vasta e descoberta, tez clara, um belo rosto oval emoldurado de cabelos castanhos, nos olhos escuros uma chama suave e profunda, havia nele um misto de fidalgo e de místico que não deixava de impressionar. Uma rapariga muito rica, amiga da família, tinha pensado em casar com ele. Mas ele furtou-se à solicitação. Pretendia reservar a sua liberdade para Deus. A oficina transformara-se num retiro claustral onde prolongara interiormente o sonho tão cedo desfeito. O trabalho minucioso exige recolhimento e silêncio. Nada mais favorável à evasão para o Altíssimo.
Ao domingo a porta do estabelecimento mantinha-se obstinadamente fechada. Luís entregava-se com os seus aos exercícios de piedade. A maneira de distração juntava-se facilmente a um grupo de amigos pertencentes à burguesia de Alençon e a que chamavam familiarmente, devido ao nome de um dos dirigentes, o Círculo Vital-Rouet.
Encontravam-se num local da rua de Mans, muito perto da capela de Nossa Senhora do Loreto, de acordo com o Deão de S. Leonardo, o Padre Hurel; ele concorria com a sua nota pessoal de fé intransigente e de caridade comunicativa.
Certo dia em que, num salão, ou por leviandade ou por esnobismo, ou por infiltração de liberalismo de espírito, se entregavam a experiências de mesas falantes, a presença dele impediu que a sessão tomasse um rumo ordinário. Quando se apresentava o ensejo, afirmava que as manifestações espíritas, mesmo que não dependam sempre, necessariamente, de intervenção do demônio, oferecem-lhe todas, pelo atrativo mórbido do maravilhoso, ocasião de entrar em ação. A princípio rejeitou o convite e, depois de vivas instâncias, apenas consentiu em comparecer com a condição de assistir como mero espectador passivo. Esta atitude de desaprovação indispôs certas pessoas que, alegando o caráter inofensivo da experiência, insistiram para que se lhes juntasse. Ele recusou terminantemente e pôs-se a orar interiormente, para que a tentativa falhasse se o espírito mau lá estivesse metido. A mesa, nesse dia, manteve-se rebelde e os levianos acusaram "o santo homem" de desmancha-prazeres, ao passo que os mais sensatos tiraram do caso uma boa e oportuna lição.
Sem se furtar aos jogos de sociedade, no meio da qual a sua alegria franca e à sua perfeita urbanidade eram apreciadas por todos, Luís Martin preferia-lhes, contudo, os longos passeios. Como artista, saboreava as grandes caminhadas a pé. Dirigia-se para os arredores de Saint-Cénery, tão apreciados pelos pintores de fama, ou para o meio dos arvoredos magníficos da floresta de Perseigne. Ou então, adotando de preferência hábitos sedentários, instalava-se na margem duma lagoa ou duma ribeira abundante em peixe, e, pacientemente, lançava o anzol.
A pesca constituía o seu passatempo favorito. Conhecia-lhe todos os segredos. No isolamento misterioso dos bosques normandos, em frente das águas tranqüilas onde por vezes vogavam cisnes, o seu temperamento contemplativo expandia-se com delícia. Apreciava, como filho de Deus, os gorjeios e trinados das aves, orquestrados pelos ruídos do vento na folhagem. A tardinha arrancava-se à impressionante sinfonia agreste para levar às Clarissas de Alençon a abundante fritada, prova da sua habilidade. Na ocasião própria levava para casa algumas peças de caça, pois uma licença para isso prova-nos que ele gostava de caçadas.
Um dia quis arranjar uma espécie de vivenda solitária onde pudesse instalar os seus aparelhos de pesca, tratar a seu tempo do jardim, apesar de não ter muito gosto pela jardinagem, e, entregar-se com vagar ao prazer das leituras elevadas e à contemplação. Para isso, a 29 de Abril de 1857, adquiriu a pitoresca propriedade do Pavilhão, na rua dos Lavadoiros, no bairro da Sénatorerie, no extremo sul da cidade, junto do ponto onde as águas do Sarthe se ramificam em vários braços. Fica à beira do caminho, rodeada dum lindo pedaço de terra, e consta de uma torre hexagonal e dois andares aos quais dá acesso uma escada exterior que vai ter a um balcão do primeiro andar; depois interiormente há uma escada de madeira em caracol.
Penetremos no pequeno edifício. Mobiliário reduzido: umas poucas de cadeiras. uma mesa sobre a qual se vêem marcados com registros alguns livros de portada austera: a um canto linhas de pesca, uma rede, um cesto; nas paredes um crucifixo, imagens piedosas e máximas ali colocadas pelo próprio rapaz: Deus vê-me - A eternidade aproxima-se e nós não pensamos nisso – Bem-aventurados os que guardam a lei do Senhor - Deus me defenda dos Seus juízos!"
Ao domingo a porta do estabelecimento mantinha-se obstinadamente fechada. Luís entregava-se com os seus aos exercícios de piedade. A maneira de distração juntava-se facilmente a um grupo de amigos pertencentes à burguesia de Alençon e a que chamavam familiarmente, devido ao nome de um dos dirigentes, o Círculo Vital-Rouet.
Encontravam-se num local da rua de Mans, muito perto da capela de Nossa Senhora do Loreto, de acordo com o Deão de S. Leonardo, o Padre Hurel; ele concorria com a sua nota pessoal de fé intransigente e de caridade comunicativa.
Certo dia em que, num salão, ou por leviandade ou por esnobismo, ou por infiltração de liberalismo de espírito, se entregavam a experiências de mesas falantes, a presença dele impediu que a sessão tomasse um rumo ordinário. Quando se apresentava o ensejo, afirmava que as manifestações espíritas, mesmo que não dependam sempre, necessariamente, de intervenção do demônio, oferecem-lhe todas, pelo atrativo mórbido do maravilhoso, ocasião de entrar em ação. A princípio rejeitou o convite e, depois de vivas instâncias, apenas consentiu em comparecer com a condição de assistir como mero espectador passivo. Esta atitude de desaprovação indispôs certas pessoas que, alegando o caráter inofensivo da experiência, insistiram para que se lhes juntasse. Ele recusou terminantemente e pôs-se a orar interiormente, para que a tentativa falhasse se o espírito mau lá estivesse metido. A mesa, nesse dia, manteve-se rebelde e os levianos acusaram "o santo homem" de desmancha-prazeres, ao passo que os mais sensatos tiraram do caso uma boa e oportuna lição.
Sem se furtar aos jogos de sociedade, no meio da qual a sua alegria franca e à sua perfeita urbanidade eram apreciadas por todos, Luís Martin preferia-lhes, contudo, os longos passeios. Como artista, saboreava as grandes caminhadas a pé. Dirigia-se para os arredores de Saint-Cénery, tão apreciados pelos pintores de fama, ou para o meio dos arvoredos magníficos da floresta de Perseigne. Ou então, adotando de preferência hábitos sedentários, instalava-se na margem duma lagoa ou duma ribeira abundante em peixe, e, pacientemente, lançava o anzol.
A pesca constituía o seu passatempo favorito. Conhecia-lhe todos os segredos. No isolamento misterioso dos bosques normandos, em frente das águas tranqüilas onde por vezes vogavam cisnes, o seu temperamento contemplativo expandia-se com delícia. Apreciava, como filho de Deus, os gorjeios e trinados das aves, orquestrados pelos ruídos do vento na folhagem. A tardinha arrancava-se à impressionante sinfonia agreste para levar às Clarissas de Alençon a abundante fritada, prova da sua habilidade. Na ocasião própria levava para casa algumas peças de caça, pois uma licença para isso prova-nos que ele gostava de caçadas.
Um dia quis arranjar uma espécie de vivenda solitária onde pudesse instalar os seus aparelhos de pesca, tratar a seu tempo do jardim, apesar de não ter muito gosto pela jardinagem, e, entregar-se com vagar ao prazer das leituras elevadas e à contemplação. Para isso, a 29 de Abril de 1857, adquiriu a pitoresca propriedade do Pavilhão, na rua dos Lavadoiros, no bairro da Sénatorerie, no extremo sul da cidade, junto do ponto onde as águas do Sarthe se ramificam em vários braços. Fica à beira do caminho, rodeada dum lindo pedaço de terra, e consta de uma torre hexagonal e dois andares aos quais dá acesso uma escada exterior que vai ter a um balcão do primeiro andar; depois interiormente há uma escada de madeira em caracol.
Penetremos no pequeno edifício. Mobiliário reduzido: umas poucas de cadeiras. uma mesa sobre a qual se vêem marcados com registros alguns livros de portada austera: a um canto linhas de pesca, uma rede, um cesto; nas paredes um crucifixo, imagens piedosas e máximas ali colocadas pelo próprio rapaz: Deus vê-me - A eternidade aproxima-se e nós não pensamos nisso – Bem-aventurados os que guardam a lei do Senhor - Deus me defenda dos Seus juízos!"
A casa não se assemelha nada a uma residência de rapaz solteiro. É, antes, o templo da austeridade. Uma senhora um pouco mundana, que um dia ali foi com a filha mais velha do senhor Martin, saiu precipitadamente: "Oh! Maria, até sinto arrepios nas costas!... Se fôssemos para o jardim!"
O solitário apenas tinha a companhia de uma cadela galga, que um dia, ao festejar a sua chegada, subiu até ao balcão e tanto pulou que caiu na rua e quebrou as patas.
O solitário apenas tinha a companhia de uma cadela galga, que um dia, ao festejar a sua chegada, subiu até ao balcão e tanto pulou que caiu na rua e quebrou as patas.
O recinto à volta do Pavilhão era do mesmo jeito. Luís semeou ali algumas flores. Mais tarde plantará no centro uma nogueira, que crescerá junto do pinheiro. Ao fundo colocou a imagem de Nossa Senhora que lhe fora oferecida pela Senhora Baudouin. É uma cópia, não destituída de elegância, da obra executada em prata por Bouchardon, para a igreja de S. Sulpício, de Paris, e que desapareceu nos horrores da Revolução. Esta estátua, que tem 90 centímetros de altura (mas tão pesada que é capaz de carregar bem um homem robusto) representa a Imaculada envolvida em artísticas pinturas, de mãos estendidas como que a espalhar graças. A importância desta imagem vem-lhe do papel que ela desempenhou na vida da família Martin, porque, depois de ter presidido à cura miraculosa de Teresa, um dia figurará triunfante, sob a invocação de Virgem do Sorriso, sobre a urna que guardará as relíquias de santa Teresinha.
Por então - e é a única mágoa que dá à mãe - Luís não pensa de modo nenhum em formar família. O trabalho, a oração, as boas obras, as distrações sãs e as leituras sérias chegam para lhe encher bem a existência. Quem sabe se não conserva ainda no profundo da sua retina a imagem das geleiras e dos picos dos Alpes, onde a sua coragem temerária aspira a acudir aos sinistrados da montanha? Não conservará ele, com extremos cuidados, até ao fim da vida, a flor agreste colhida um dia no flanco do São Bernardo e que para ele simboliza tanta coisa?
Zélia Guérin passará por uma decepção do mesmo gênero. O seu coração prodigiosamente sensível poderia ter cedido prematuramente ao apelo das criaturas. A formação recebida no lar -, a vigilância um tanto desconfiada que a cercava e, ainda mais, o instinto duma natureza espontaneamente reta e piedosa, protegeram-na eficazmente. Foi para Deus que ela dirigiu toda a sua capacidade afetiva. Maria Luísa, a amiga confidente da sua alma, comunicava-lhe os sonhos de vocação religiosa suspensos, do momento, pela necessidade de ajudar a mãe no governo da casa. Zélia, mais livre que a irmã mais velha, quis ir antes dela. O temperamento levava-a a preferir a vida ativa; a ternura compassiva atraía-a para junto dos doentes e dos deserdados da sorte. Pretendeu, pois, o hábito das Irmãs de S. Vicente de Paulo. Foi para dar parte dessa intenção que ela se apresentou no Hospital de Alençon, acompanhada da mãe. Notar-se-iam algumas reticências nos lábios maternos? Pareceria demasiado precária a saúde da postulante? Ou, mais simplesmente, uma intuição sobrenatural faria conhecer à Superiora os verdadeiros desígnios de Deus sobre a jovem? O certo é que a entrevista não deu o resultado desejado. A Superiora, sem hesitar um momento, respondeu ao pedido de admissão que não era essa a vontade divina. Embora triste, Zélia não podia deixar de se curvar ante afirmação tão categórica. Daí em diante limitou-se a elevar ao céu esta súplica cheia de simplicidade: "Meu Deus. visto que não sou digna de ser vossa esposa, como é minha irmã, para cumprir a vossa santa vontade abraçarei o estado do matrimônio. Dai-me, então, eu vo-lo peço, muitos filhos e fazei que todos Vos sejam consagrados". Apesar destes desejos, ela sofrerá ainda por muito tempo a obsessão do claustro, e quantas vezes, no decurso da sua vida, não nos dará ela a impressão de trazer a cingir-lhe a fronte o touca do branco das Irmãs da Caridade, tanta era a sua dedicação ao serviço dos humildes.
Tornava-se necessário preparar o futuro. Os magros recursos do oficial reformado não podiam chegar para constituir o dote da filha e custear a educação do mais novo que, em vista de se destinar às profissões liberais, devia ir dentro em breve para o liceu. Zélia confiou à Santíssima Virgem esta incerteza do dia seguinte. A resposta chegou-lhe a 8 de Dezembro de 1851, sob a forma de uma voz interior que, durante um trabalho absorvente e que de nenhum modo favorecia a auto-sugestão, lhe disse de maneira muito distinta: "Dedica-te ao Ponto de Alençon". A moça viu nisto a ordem do céu e, sem demora, tratou de a executar. Já durante os seus anos de estudo aprendera os rudimentos da indústria que dava fama à cidade. Para aprender a arte a fundo, entrou para uma escola de rendeiras, onde se ensinavam, com método, os mil segredos da profissão.
Trata-se de uma arte das mais sutis. Napoleão ficou extasiado com ela e Maria Luísa ainda mais, quando a berlinda imperial levou destas rendas para Paris em 1811. Tudo foram admirações dessas operárias de mãos de fada.
O apadrinhamento histórico do famoso Ponto de Alençon caberia à Beata Margarida de Lorena. Esta antepassada de Henrique IV, nora do "Gentil Duque" que foi o companheiro de armas de Joana d'Arc, não se limitou a administrar o ducado durante vinte anos, com tal sensatez e condescendência que lhe deram o nome de "mãe de toda a caridade". Antes de acabar como Clarissa em Argentan, a 21 de Novembro de 1521, enriqueceu igrejas e mosteiros com bordados de mérito incalculável, feitos por ela com todo o carinho e que lhe dão direito a ser considerada legítima ascendente das nossas modernas rendeiras. Mas o patronato técnico das rendas pertence, incontestavelmente a Colbert, que, pelo ano de 1664, mandou vir de Veneza trinta operárias hábeis no manejo da agulha.
A renda faz-se às tiras de quinze a vinte centímetros, sobre um pergaminho, perfurado segundo o desenho a reproduzir, e forrado de tela. Emprega-se fio de linho da melhor qualidade e extremamente fino. Feito o desenho, a tira passa de mão em mão, conforme o número de pontos que o formam, que chegam a ser nove e cada um constitui uma especialidade. Feito isto, é preciso soltar cada tira, desfazer todos os pontos inúteis, reparar as inevitáveis rasga duras e finalmente proceder à junção das tiras, trabalho do mais delicado que há feito com agulhas quase imperceptíveis e com fios cada vez mais finos. A incrível variedade dos processos, a escala graduada dos "cheios" e dos "tons" fizeram do Ponto de Alençon o enfeite sem rival dos guarda-roupas reais.
Zélia Guérin não tardou em adestrar-se neste prodígio da arte feminina. Conservaram-se algumas "tiras" executadas por ela, que são puras maravilhas. Parece que saiu da escola antes de completar o tempo habitual. A sua natural beleza, a sua vivacidade de inteligência, o dom de simpatia que irradiava no mais alto grau, não podiam passar despercebidos. Quando notou, à sua volta, as amabilidades excessivas de um patrão, decidiu dar por terminada a experiência e estabelecer-se por conta própria, continuando, é claro, a aperfeiçoar a sua formação, freqüentando um outro dos numerosos cursos profissionais abertos na cidade.
Pelos fins de 1853 estabeleceu-se como "fabricante de Ponto de Alençon", segundo demonstram os seus documentos de identidade civil. Isto não significava a abertura de uma oficina. O Ponto é uma obra-prima coletiva, mas que não exige a simultaneidade do trabalho em grupo. Exige sim, em quem empreende esta indústria, iniciativa e diligência para recrutar as operárias, para receber a clientela, para distribuir as encomendas, para fornecer às operárias que trabalham nas suas casas o material necessário à execução da sua especialidade, para vigiar a passagem das tiras de uma para outra, para coordenar e corrigir o conjunto, para assegurar finalmente a colocação lucrativa. Alençon é o coração das rendas, mas à volta, nas proximidades, em Damigny, em Gandelain, em Roche-Mabile, desenham-se os graciosos arabescos, cuja magia contrasta com o ambiente rústico.
Zélia Guérin instalou o escritório na sala da frente na casa da família, sita na rua de S. Brás. As quintas-feiras permanecia ali à disposição das operárias, entregando, recebendo e regulando o trabalho. Em geral reservava para si a reparação do tule, remediava os estragos que se davam inevitavelmente no decorrer das múltiplas manipulações e, se era necessário, procedia ao invisível ajustamento das tiras, escolho e triunfo das mais hábeis.
Pode afirmar-se sem exagero que era exímia neste trabalho tão especializado que exige vista perspicaz, grande habilidade e gosto primoroso. Era com carinho que se entregava a tal tarefa, ela que dirá um dia numa carta: "O meu único gosto é estar sentada junto à janela a ajuntar o meu Ponto de Alençon". As peças saídas das suas mãos serão logo classificadas como das mais belas e vencidas por alto preço, assegurando, assim, o crédito e a prosperidade da casa.
A parte estritamente comercial interessava-a menos, o que explica decerto o fato de ter deixado de trabalhar por sua conta desde 1856 a 1863 e ter recebido trabalho da casa Pigache. Ao princípio, quando se tratou de arranjar clientela e houve necessidade de entrar em relações com os armazéns de Paris, a juventude de Zélia Guérin retraiu-se, foi a mais velha que, dominando a própria repugnância, se ofereceu para a substituir. Acompanhada pelo pai, Maria Luísa fez uma viagem de negócios a Paris. Os seus passos, coroados de êxito, garantiram o lançamento da empresa, mas apanhou por essa ocasião um resfriado que lhe ia sendo fatal.
A partir deste ano de 1853 os destinos das duas irmãs iam divergir sem nunca se alterar a amizade e a confiança que as unia. Maria Luísa ou, para lhe dar o nome familiar por que a tratavam na intimidade, Elisa, vai dirigir-se, com um esforço constante, para o claustro. Desde criança que afastou de si, com indomável energia, até a sombra do mal. O abuso deste argumento peremptório: "Isso é pecado" chegou a desenvolver nela uma delicadeza que roçava pelo medo e virá a degenerar em escrúpulos.
Foi pelo Apocalipse que aprendeu a ler. Quando ia com a mãe à Igreja julgava-se obrigada a percorrer o seu missal sem erguer os olhos e passava a Missa a reler muitas vezes as orações do Ordinário. Faltou à sua infância a livre expansão própria de uma educação onde dominasse o amor.
Dois anos que passou com as Religiosas da Adoração Perpétua abriram-lhe os horizontes da vida claustral. Por sua vontade ter-se-ia feito imediatamente religiosa. Mas foi necessário, antes, servir de segunda mãe do seu irmão lsidoro. Depois em 1853, logo a seguir ao termo da viagem a Paris, deu-se a primeira crise de tuberculose de que haviam de ficar sempre vestígios. E o moral não ficou menos abalado. Durante cinco ou seis anos foi assaltada por dúvidas e inquietações de consciência que não contribuíram pouco para lhe minar a saúde. Andava, por isso, como ressequida. Por aspirar, nessa época, a seguir a Regra austera das Clarissas, cometeu, para mais, a imprudência de praticar excessos em penitências que lhe esgotaram as forças. Por alturas de 1856 deve ter-se dado uma grave recaída pulmonar.
Heroicamente tenaz, transpôs, vitoriosa. todos os obstáculos e, liberta de encargos familiares, livre das angústias interiores, suficientemente restabelecida de saúde, poderá bater à porta da Visitação de Mans, a 7 de Abril de 1858, com este lema bem gravado lia alma: "Venho para aqui para ser santa".
Tinha então vinte e nove anos. Esperava-a uma última prova, a mais terrível. Prevenida dos sintomas de tuberculose que se tinham manifestado na jovem em anos anteriores, a Superiora notificou-lhe a impossibilidade de a conservar entre a Comunidade. Mais uma vez Maria Luísa solicitou e obteve um milagre. Durante os poucos dias de prazo que lhe foram concedidos, manifestou tanto zelo pelo seu trabalho de roupeira, tanto fervor pela oração, tanta aplicação em obedecer à Regra, que a Madre Teresa de Gonzaga de Freslon de tal sorte se impressionou que a admitiu no noviciado entre as "Irmãs agregadas" livres da obrigação do coro. A sua mãe, que viera de Alençon para a levar consigo, sentiu-se igualmente armada por tanta coragem. Estava ganha a batalha.
Zélia tinha-lhe seguido os passos com fraternal ansiedade. Incompreendida da mãe, tinha-se refugiado, com uma espécie de afeto impetuoso, na intimidade da irmã mais velha, tão previdente e tão boa, que lhe recebia todas as confidências. Eram inseparáveis, no rigoroso sentido da palavra. Vinte anos depois, quando a Visitandina morreu santamente, a Senhora Martin evocou essas recordações numa carta dirigida a Paulina: "Eu era tão amiga desta minha irmã! Não podia passar sem ela. Um dia, pouco tempo antes de ela ter partido para o convento, estava eu a trabalhar no jardim; mas ela não estava comigo. Não pude conservar-me sem ela e fui procurá-la. Ela então disse-me: Que hás-de tu fazer quando eu cá não estiver? Respondi-lhe que me iria embora também. Na verdade parti, passados três meses, mas não pelo mesmo caminho".
Na hora dolorosa em que se separou daquela que era na verdade a alma da sua alma é que Zélia Guérin vai ver surgir diante de si, de repente, a perspectiva do casamento. Pensaria nele, de fato, ou sofreria ainda, inconscientemente, a atração do hábito e do conseqüente recolhimento? De estatura um pouco abaixo da mediana, de rosto muito lindo e expressão extremamente pura, de cabelos castanhos despretensiosamente compostos, de nariz comprido e harmonioso de linhas, de olhos negros, cintilantes de decisão e onde por momentos passava uma sombra de melancolia. Zélia tinha dotes para poder agradar. Tudo nela era viveza, delicadeza, amabilidade. Dotada de espírito alegre e culto, de grande sentido prático e de nobre caráter e sobretudo de fé intrépida, era uma mulher superior que devia atrair as atenções.
Uma senhora da sociedade, que vivia em Paris, quis levá-la consigo e apresentá-la nos salões. A proposta fê-la sorrir; não gostava de se exibir. Mas eis que a Providência se mete no caso por meio duma senhora de bom senso empenhada em casar o santo do seu filho, entusiasmado demais com o celibato.
A esposa do Capitão Martin não se consolava de ver o filho, que não tardaria a fazer trinta e cinco anos, enterrar-se na piedosa solidão da relojoaria da Ponte-Nova e do Pavilhão. Censurava-o afetuosamente, mas ele não dava mostras de se impressionar.
Nos cursos profissionais que ela freqüentava nos momentos disponíveis, para se especializar nalgum dos pontos da célebre renda e assegurar à família recursos suplementares, encontrara-se, lado a lado, com Zélia Guérin e notou as sérias qualidades da jovem, envolvidas em tantos encantos. Não seria aquela a esposa ideal para o filho? A pouco e pouco insinuou-se-lhe no espírito e conseguiu abalar uma resistência que parecia invencível.
Uma intervenção misteriosa facilitou a aproximação. Um dia em que Zélia Guérin passava pela Ponte de São Leonardo, cruzou-se com um rapaz, cuja nobreza de fisionomia e dignidade de maneiras e modos reservados a impressionaram. Neste instante uma voz interior segredava-lhe: "Foi este que eu preparei para ti". Informou-se discretamente a respeito da identidade dele e começou a conhecer Luís Martin.
Os dois jovens depressa se apreciaram e amaram. O seu acordo moral estabeleceu-se tão depressa que os esponsais vieram selar, sem demora, o mútuo compromisso, e três meses depois do primeiro encontro puderam unir-se diante de Deus.
A 13 de Julho de 1858 - para não falar no registro civil que apenas representava, aos olhos deles, um odioso contrasenso, nas palavras e uma formalidade vã, na realidade - fizeram os seus mútuos juramentos na esplêndida igreja de Nossa Senhora. O Padre Hurel, Deão de S. Leonardo, que, certamente, haveria aprovado o projeto com a sua autoridade de padre espiritual, recebeu o consentimento dos noivos. A cena passou-se à meia noite, na mais rigorosa intimidade, como que para não saborearem da cerimônia senão o perfume cristão e talvez também porque as grandes obras de Deus se operam no silêncio noturno, e a união de que havia de nascer a Santa de Lisieux tinha o selo da grandeza.
O prédio da rua da Ponte-Nova tinha sido preparado à pressa para receber o novo casal. Como se tratava de uma casa vasta e com entrada particular, prestava-se à coabitação de duas famílias; em perfeita independência, sem prejuízo do espaço reservado à oficina de relojoaria e ao armazém de joalharia.
Os pais do senhor Martin instalaram-se no primeiro andar. Zélia transferiu o escritório para a nova casa. Viveria assim perto dos seus."
Fonte: STÉPHANE JOSEPH PIAT, História de uma Família, Livraria A.I., Braga, sem data, pp. 31-45.
Por então - e é a única mágoa que dá à mãe - Luís não pensa de modo nenhum em formar família. O trabalho, a oração, as boas obras, as distrações sãs e as leituras sérias chegam para lhe encher bem a existência. Quem sabe se não conserva ainda no profundo da sua retina a imagem das geleiras e dos picos dos Alpes, onde a sua coragem temerária aspira a acudir aos sinistrados da montanha? Não conservará ele, com extremos cuidados, até ao fim da vida, a flor agreste colhida um dia no flanco do São Bernardo e que para ele simboliza tanta coisa?
Zélia Guérin passará por uma decepção do mesmo gênero. O seu coração prodigiosamente sensível poderia ter cedido prematuramente ao apelo das criaturas. A formação recebida no lar -, a vigilância um tanto desconfiada que a cercava e, ainda mais, o instinto duma natureza espontaneamente reta e piedosa, protegeram-na eficazmente. Foi para Deus que ela dirigiu toda a sua capacidade afetiva. Maria Luísa, a amiga confidente da sua alma, comunicava-lhe os sonhos de vocação religiosa suspensos, do momento, pela necessidade de ajudar a mãe no governo da casa. Zélia, mais livre que a irmã mais velha, quis ir antes dela. O temperamento levava-a a preferir a vida ativa; a ternura compassiva atraía-a para junto dos doentes e dos deserdados da sorte. Pretendeu, pois, o hábito das Irmãs de S. Vicente de Paulo. Foi para dar parte dessa intenção que ela se apresentou no Hospital de Alençon, acompanhada da mãe. Notar-se-iam algumas reticências nos lábios maternos? Pareceria demasiado precária a saúde da postulante? Ou, mais simplesmente, uma intuição sobrenatural faria conhecer à Superiora os verdadeiros desígnios de Deus sobre a jovem? O certo é que a entrevista não deu o resultado desejado. A Superiora, sem hesitar um momento, respondeu ao pedido de admissão que não era essa a vontade divina. Embora triste, Zélia não podia deixar de se curvar ante afirmação tão categórica. Daí em diante limitou-se a elevar ao céu esta súplica cheia de simplicidade: "Meu Deus. visto que não sou digna de ser vossa esposa, como é minha irmã, para cumprir a vossa santa vontade abraçarei o estado do matrimônio. Dai-me, então, eu vo-lo peço, muitos filhos e fazei que todos Vos sejam consagrados". Apesar destes desejos, ela sofrerá ainda por muito tempo a obsessão do claustro, e quantas vezes, no decurso da sua vida, não nos dará ela a impressão de trazer a cingir-lhe a fronte o touca do branco das Irmãs da Caridade, tanta era a sua dedicação ao serviço dos humildes.
Tornava-se necessário preparar o futuro. Os magros recursos do oficial reformado não podiam chegar para constituir o dote da filha e custear a educação do mais novo que, em vista de se destinar às profissões liberais, devia ir dentro em breve para o liceu. Zélia confiou à Santíssima Virgem esta incerteza do dia seguinte. A resposta chegou-lhe a 8 de Dezembro de 1851, sob a forma de uma voz interior que, durante um trabalho absorvente e que de nenhum modo favorecia a auto-sugestão, lhe disse de maneira muito distinta: "Dedica-te ao Ponto de Alençon". A moça viu nisto a ordem do céu e, sem demora, tratou de a executar. Já durante os seus anos de estudo aprendera os rudimentos da indústria que dava fama à cidade. Para aprender a arte a fundo, entrou para uma escola de rendeiras, onde se ensinavam, com método, os mil segredos da profissão.
Trata-se de uma arte das mais sutis. Napoleão ficou extasiado com ela e Maria Luísa ainda mais, quando a berlinda imperial levou destas rendas para Paris em 1811. Tudo foram admirações dessas operárias de mãos de fada.
O apadrinhamento histórico do famoso Ponto de Alençon caberia à Beata Margarida de Lorena. Esta antepassada de Henrique IV, nora do "Gentil Duque" que foi o companheiro de armas de Joana d'Arc, não se limitou a administrar o ducado durante vinte anos, com tal sensatez e condescendência que lhe deram o nome de "mãe de toda a caridade". Antes de acabar como Clarissa em Argentan, a 21 de Novembro de 1521, enriqueceu igrejas e mosteiros com bordados de mérito incalculável, feitos por ela com todo o carinho e que lhe dão direito a ser considerada legítima ascendente das nossas modernas rendeiras. Mas o patronato técnico das rendas pertence, incontestavelmente a Colbert, que, pelo ano de 1664, mandou vir de Veneza trinta operárias hábeis no manejo da agulha.
A renda faz-se às tiras de quinze a vinte centímetros, sobre um pergaminho, perfurado segundo o desenho a reproduzir, e forrado de tela. Emprega-se fio de linho da melhor qualidade e extremamente fino. Feito o desenho, a tira passa de mão em mão, conforme o número de pontos que o formam, que chegam a ser nove e cada um constitui uma especialidade. Feito isto, é preciso soltar cada tira, desfazer todos os pontos inúteis, reparar as inevitáveis rasga duras e finalmente proceder à junção das tiras, trabalho do mais delicado que há feito com agulhas quase imperceptíveis e com fios cada vez mais finos. A incrível variedade dos processos, a escala graduada dos "cheios" e dos "tons" fizeram do Ponto de Alençon o enfeite sem rival dos guarda-roupas reais.
Zélia Guérin não tardou em adestrar-se neste prodígio da arte feminina. Conservaram-se algumas "tiras" executadas por ela, que são puras maravilhas. Parece que saiu da escola antes de completar o tempo habitual. A sua natural beleza, a sua vivacidade de inteligência, o dom de simpatia que irradiava no mais alto grau, não podiam passar despercebidos. Quando notou, à sua volta, as amabilidades excessivas de um patrão, decidiu dar por terminada a experiência e estabelecer-se por conta própria, continuando, é claro, a aperfeiçoar a sua formação, freqüentando um outro dos numerosos cursos profissionais abertos na cidade.
Pelos fins de 1853 estabeleceu-se como "fabricante de Ponto de Alençon", segundo demonstram os seus documentos de identidade civil. Isto não significava a abertura de uma oficina. O Ponto é uma obra-prima coletiva, mas que não exige a simultaneidade do trabalho em grupo. Exige sim, em quem empreende esta indústria, iniciativa e diligência para recrutar as operárias, para receber a clientela, para distribuir as encomendas, para fornecer às operárias que trabalham nas suas casas o material necessário à execução da sua especialidade, para vigiar a passagem das tiras de uma para outra, para coordenar e corrigir o conjunto, para assegurar finalmente a colocação lucrativa. Alençon é o coração das rendas, mas à volta, nas proximidades, em Damigny, em Gandelain, em Roche-Mabile, desenham-se os graciosos arabescos, cuja magia contrasta com o ambiente rústico.
Zélia Guérin instalou o escritório na sala da frente na casa da família, sita na rua de S. Brás. As quintas-feiras permanecia ali à disposição das operárias, entregando, recebendo e regulando o trabalho. Em geral reservava para si a reparação do tule, remediava os estragos que se davam inevitavelmente no decorrer das múltiplas manipulações e, se era necessário, procedia ao invisível ajustamento das tiras, escolho e triunfo das mais hábeis.
Pode afirmar-se sem exagero que era exímia neste trabalho tão especializado que exige vista perspicaz, grande habilidade e gosto primoroso. Era com carinho que se entregava a tal tarefa, ela que dirá um dia numa carta: "O meu único gosto é estar sentada junto à janela a ajuntar o meu Ponto de Alençon". As peças saídas das suas mãos serão logo classificadas como das mais belas e vencidas por alto preço, assegurando, assim, o crédito e a prosperidade da casa.
A parte estritamente comercial interessava-a menos, o que explica decerto o fato de ter deixado de trabalhar por sua conta desde 1856 a 1863 e ter recebido trabalho da casa Pigache. Ao princípio, quando se tratou de arranjar clientela e houve necessidade de entrar em relações com os armazéns de Paris, a juventude de Zélia Guérin retraiu-se, foi a mais velha que, dominando a própria repugnância, se ofereceu para a substituir. Acompanhada pelo pai, Maria Luísa fez uma viagem de negócios a Paris. Os seus passos, coroados de êxito, garantiram o lançamento da empresa, mas apanhou por essa ocasião um resfriado que lhe ia sendo fatal.
A partir deste ano de 1853 os destinos das duas irmãs iam divergir sem nunca se alterar a amizade e a confiança que as unia. Maria Luísa ou, para lhe dar o nome familiar por que a tratavam na intimidade, Elisa, vai dirigir-se, com um esforço constante, para o claustro. Desde criança que afastou de si, com indomável energia, até a sombra do mal. O abuso deste argumento peremptório: "Isso é pecado" chegou a desenvolver nela uma delicadeza que roçava pelo medo e virá a degenerar em escrúpulos.
Foi pelo Apocalipse que aprendeu a ler. Quando ia com a mãe à Igreja julgava-se obrigada a percorrer o seu missal sem erguer os olhos e passava a Missa a reler muitas vezes as orações do Ordinário. Faltou à sua infância a livre expansão própria de uma educação onde dominasse o amor.
Dois anos que passou com as Religiosas da Adoração Perpétua abriram-lhe os horizontes da vida claustral. Por sua vontade ter-se-ia feito imediatamente religiosa. Mas foi necessário, antes, servir de segunda mãe do seu irmão lsidoro. Depois em 1853, logo a seguir ao termo da viagem a Paris, deu-se a primeira crise de tuberculose de que haviam de ficar sempre vestígios. E o moral não ficou menos abalado. Durante cinco ou seis anos foi assaltada por dúvidas e inquietações de consciência que não contribuíram pouco para lhe minar a saúde. Andava, por isso, como ressequida. Por aspirar, nessa época, a seguir a Regra austera das Clarissas, cometeu, para mais, a imprudência de praticar excessos em penitências que lhe esgotaram as forças. Por alturas de 1856 deve ter-se dado uma grave recaída pulmonar.
Heroicamente tenaz, transpôs, vitoriosa. todos os obstáculos e, liberta de encargos familiares, livre das angústias interiores, suficientemente restabelecida de saúde, poderá bater à porta da Visitação de Mans, a 7 de Abril de 1858, com este lema bem gravado lia alma: "Venho para aqui para ser santa".
Tinha então vinte e nove anos. Esperava-a uma última prova, a mais terrível. Prevenida dos sintomas de tuberculose que se tinham manifestado na jovem em anos anteriores, a Superiora notificou-lhe a impossibilidade de a conservar entre a Comunidade. Mais uma vez Maria Luísa solicitou e obteve um milagre. Durante os poucos dias de prazo que lhe foram concedidos, manifestou tanto zelo pelo seu trabalho de roupeira, tanto fervor pela oração, tanta aplicação em obedecer à Regra, que a Madre Teresa de Gonzaga de Freslon de tal sorte se impressionou que a admitiu no noviciado entre as "Irmãs agregadas" livres da obrigação do coro. A sua mãe, que viera de Alençon para a levar consigo, sentiu-se igualmente armada por tanta coragem. Estava ganha a batalha.
Zélia tinha-lhe seguido os passos com fraternal ansiedade. Incompreendida da mãe, tinha-se refugiado, com uma espécie de afeto impetuoso, na intimidade da irmã mais velha, tão previdente e tão boa, que lhe recebia todas as confidências. Eram inseparáveis, no rigoroso sentido da palavra. Vinte anos depois, quando a Visitandina morreu santamente, a Senhora Martin evocou essas recordações numa carta dirigida a Paulina: "Eu era tão amiga desta minha irmã! Não podia passar sem ela. Um dia, pouco tempo antes de ela ter partido para o convento, estava eu a trabalhar no jardim; mas ela não estava comigo. Não pude conservar-me sem ela e fui procurá-la. Ela então disse-me: Que hás-de tu fazer quando eu cá não estiver? Respondi-lhe que me iria embora também. Na verdade parti, passados três meses, mas não pelo mesmo caminho".
Na hora dolorosa em que se separou daquela que era na verdade a alma da sua alma é que Zélia Guérin vai ver surgir diante de si, de repente, a perspectiva do casamento. Pensaria nele, de fato, ou sofreria ainda, inconscientemente, a atração do hábito e do conseqüente recolhimento? De estatura um pouco abaixo da mediana, de rosto muito lindo e expressão extremamente pura, de cabelos castanhos despretensiosamente compostos, de nariz comprido e harmonioso de linhas, de olhos negros, cintilantes de decisão e onde por momentos passava uma sombra de melancolia. Zélia tinha dotes para poder agradar. Tudo nela era viveza, delicadeza, amabilidade. Dotada de espírito alegre e culto, de grande sentido prático e de nobre caráter e sobretudo de fé intrépida, era uma mulher superior que devia atrair as atenções.
Uma senhora da sociedade, que vivia em Paris, quis levá-la consigo e apresentá-la nos salões. A proposta fê-la sorrir; não gostava de se exibir. Mas eis que a Providência se mete no caso por meio duma senhora de bom senso empenhada em casar o santo do seu filho, entusiasmado demais com o celibato.
A esposa do Capitão Martin não se consolava de ver o filho, que não tardaria a fazer trinta e cinco anos, enterrar-se na piedosa solidão da relojoaria da Ponte-Nova e do Pavilhão. Censurava-o afetuosamente, mas ele não dava mostras de se impressionar.
Nos cursos profissionais que ela freqüentava nos momentos disponíveis, para se especializar nalgum dos pontos da célebre renda e assegurar à família recursos suplementares, encontrara-se, lado a lado, com Zélia Guérin e notou as sérias qualidades da jovem, envolvidas em tantos encantos. Não seria aquela a esposa ideal para o filho? A pouco e pouco insinuou-se-lhe no espírito e conseguiu abalar uma resistência que parecia invencível.
Uma intervenção misteriosa facilitou a aproximação. Um dia em que Zélia Guérin passava pela Ponte de São Leonardo, cruzou-se com um rapaz, cuja nobreza de fisionomia e dignidade de maneiras e modos reservados a impressionaram. Neste instante uma voz interior segredava-lhe: "Foi este que eu preparei para ti". Informou-se discretamente a respeito da identidade dele e começou a conhecer Luís Martin.
Os dois jovens depressa se apreciaram e amaram. O seu acordo moral estabeleceu-se tão depressa que os esponsais vieram selar, sem demora, o mútuo compromisso, e três meses depois do primeiro encontro puderam unir-se diante de Deus.
A 13 de Julho de 1858 - para não falar no registro civil que apenas representava, aos olhos deles, um odioso contrasenso, nas palavras e uma formalidade vã, na realidade - fizeram os seus mútuos juramentos na esplêndida igreja de Nossa Senhora. O Padre Hurel, Deão de S. Leonardo, que, certamente, haveria aprovado o projeto com a sua autoridade de padre espiritual, recebeu o consentimento dos noivos. A cena passou-se à meia noite, na mais rigorosa intimidade, como que para não saborearem da cerimônia senão o perfume cristão e talvez também porque as grandes obras de Deus se operam no silêncio noturno, e a união de que havia de nascer a Santa de Lisieux tinha o selo da grandeza.
O prédio da rua da Ponte-Nova tinha sido preparado à pressa para receber o novo casal. Como se tratava de uma casa vasta e com entrada particular, prestava-se à coabitação de duas famílias; em perfeita independência, sem prejuízo do espaço reservado à oficina de relojoaria e ao armazém de joalharia.
Os pais do senhor Martin instalaram-se no primeiro andar. Zélia transferiu o escritório para a nova casa. Viveria assim perto dos seus."
Fonte: STÉPHANE JOSEPH PIAT, História de uma Família, Livraria A.I., Braga, sem data, pp. 31-45.
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